terça-feira, 22 de janeiro de 2008

A CORDA de Lisélia de Abreu Marques

Era uma vez uma corda, e desta corda pequenos pedacinhos se partiram. Cada pequeno pedacinho de corda era igual a corda de onde se originou, posto que já foi um dia a mesma corda.
Estes pedacinhos se sentiam únicos. Indivíduos separados. E a medida que iam se afastando da corda que lhes deu origem iam se esquecendo de quem eram e de como surgiram. As pequenas cordas seguiram caminhos próprios, tiveram suas experiências, usaram os seus livre-arbítrios e conheceram as conseqüências disto. Experienciaram a luz e a escuridão. Na dualidade sua consciência ora se sediava numa ponta, ora noutra ponta, mostrando extremos que pareciam inconciliáveis. Viviam no 8 ou 80. De tanto dar voltas em si mesmas, acabavam formando nós difíceis e doloridos de se desfazer. Quando entravam em briga com outras cordas se amarravam de um jeito que seus ódios mútuos as apertavam mais e mais junto àquelas que desprezavam. E chegando no fundo do poço da escuridão e da dor, sentiram saudade da luz. E lentamente foram descobrindo que a paz era melhor que a guerra, que o mal não valia a pena, que o egoísmo era uma ilusão. E do mesmo jeito que se afastaram da primeira corda, foram, aos poucos, se aproximando e se encontrando e se reconhecendo e se tocando. As cordinhas que, na origem, tinham se partido no mesmo momento, eram como irmãs gêmeas; havia muita afinidade entre elas e sentiam muito prazer em estar juntas. A medida que iam se aproximando e se unindo, mais se pareciam com a corda primeira, que lhes deu origem e esta proximidade fazia com que brilhassem com mais luz. E tendo conhecido a escuridão, a dor e a morte, por contraste entenderam melhor a luz, o prazer e a vida. As suas consciências então, pararam de oscilar entre uma ponta e outra, o que enfraquecia muito a energia delas. A consciência delas se estabilizou no centro, no ponto médio e sentiram paz e equilíbrio e pensaram nas outras cordas que ainda estevam longe e sentiram um desejo profundo de compartilhar com estas, a alegria reencontrada. Então se colocaram a disposição. Estavam atentas, disponíveis aguardando apenas um pedido de ajuda para partirem prestativas ao encontro de suas outras partes ainda separadas. Cada ajuda bem sucedida trazia mais inteireza ao grupo e cada corda que voltava trazia consigo experiências únicas que depois de partilhadas pertenciam a todo o grupo. Com isto, em se fazendo muitas, a primeira corda, a maior e mais forte delas, quando recebe suas partes, agora individualizadas de volta, não recebe mais a mesma parte sua que partiu, ingênua e virgem, recebe uma parte experiente, desbravadora, transformadora que traz muitas estórias para compartilhar, e assim novamente unida, expande e expressa a corda de onde se originou. E todas juntas são muito mais do que eram antes. São ao mesmo tempo o que sempre foram e o que se tornaram. São a origem e o fim. São todas e são, também, apenas uma.

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