quinta-feira, 24 de novembro de 2011

CRÔNICA DO AMOR de Arnaldo Jabor

Ninguém ama outra pessoa pelas qualidades que ela tem, caso


contrário os honestos, simpáticos e não fumantes teriam uma

fila de pretendentes batendo a porta.

O amor não é chegado em fazer contas, não obedece à razão. O

verdadeiro amor acontece por empatia, por magnetismo, por

conjunção estelar. Ninguém ama outra pessoa porque ela é

educada, veste-se bem e é fã do Caetano. Isso são só

referenciais.

Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe

dá, ou pelo tormento que provoca.

Ama-se pelo tom de voz, pela maneira que os olhos piscam,

pela fragilidade que se revela quando menos se espera.

Você ama aquela petulante. Você escreveu dúzias de cartas

que ela não respondeu, você deu flores que ela deixou a seco.

Você gosta de rock e ela de chorinho, você gosta de praia e

ela tem alergia a sol, você abomina o Natal e ela detesta o

Ano Novo, nem no ódio vocês combinam.

Então?

Então que ela tem um jeito de sorrir que o deixa mobilizado,

o beijo dela é mais viciante do que LSD, você adora brigar

com ela e ela adora implicar com você. Isso tem nome.

Você ama aquele cafajeste. Ele diz que vai ligar e não liga,

ele veste o primeiro trapo que encontra no armário. Ele não

emplaca uma semana nos empregos, está sempre duro, e é meio

galinha. Ele não tem a menor vocação para príncipe encantado

e ainda assim você não consegue despachá-lo.

Quando a mão dele toca na sua nuca, você derrete feito

manteiga. Ele toca gaita na boca, adora animais e escreve

poemas.

Por que você ama este cara? Não pergunte pra mim.

Você é inteligente. Lê livros,revistas,jornais. Gosta dos

filmes dos irmãos Coen e do Robert Altman, mas sabe que uma

boa comédia romântica também tem seu valor.

É bonita. Seu cabelo nasceu para ser sacudido num comercial de xampu e seu

corpo tem todas as curvas no lugar.

Independente, emprego fixo, bom saldo no banco. Gosta de

viajar, de música, tem loucura por computador e seu fettucine

ao pesto é imbatível. Você tem bom humor, não pega no pé de

ninguém e adora sexo. Com um currículo desse , criatura, por

que está sem um amor?

Ah, o amor, essa raposa...

Quem dera o amor não fosse um sentimento, mas uma equação

matemática: eu linda + você inteligente = dois apaixonados.

Não funciona assim. Amar não requer conhecimento prévio nem

consulta ao SPC. Ama-se justamente pelo que o Amor tem de

indefinível. Honestos existem aos milhares, generosos têm às

pencas, bons motoristas e bons pais de família, ta assim, ó!

Mas ninguém consegue ser do jeito que o amor da sua vida é!

Pense nisso.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

POR QUE NÃO CONSIGO GOSTAR DE QUEM GOSTA DE MIM? de Patrícia Gebrim

O tema sobre o qual vou escrever hoje é, com certeza, tão familiar e conhecido que pode ser considerado banal.
- Uma pessoa sente-se atraída por outra e vai em sua direção. Mas se a outra corresponde, deixa de ser interessante.
Ou talvez você já tenha ouvido, ou dito, frases assim:
- Eu só me interesso por pessoas quando elas não se mostram muito interessadas em mim.
- Quando alguém mostra gostar muito de mim, perco o interesse
O que seria dos filmes e novelas sem essa inspiração para seus roteiros? O que seria dos dramas e músicas de dor-de-cotovelo? O que seria dos jogos que as pessoas inventam para manipular umas às outras?
No cinema pode até ser interessante, mas na vida real não existe nada mais triste. Essa característica das pessoas as obriga sempre a viver a frustração do desencontro, as aprisiona em um deserto solitário, onde o que motiva os movimentos é a ilusão do oásis que nunca pode ser alcançado.
Existem ao menos dois aspectos que podemos abordar para tentar compreender os motivos que levam as pessoas a agirem assim.
Primeiro, esse tipo de mecanismo (rejeitar quem nos quer e desejar quem não nos quer) está embasado em uma forma imatura e infantil de relacionamento. Ora, em nossa imaturidade desejamos ter aquilo que idealizamos. Essa é a base da paixão. Desejar aquela pessoa mágica e encantadora, sobre-humana, perfeita, que nos aceite incondicionalmente e supra todas as nossas faltas e carências, que nos complete, que nos faça sentir “um”. É claro que sabemos, racionalmente, que isso não existe. Mas aqueles que querem viver apaixonados negam essa realidade. Quando veem alguém ao longe, como se a pessoa fosse uma tela em branco sem contornos, projetam nela tudo o que gostariam de encontrar.
Isso funciona desde que a pessoa esteja longe ou inacessível. A distância permite que eu continue a acreditar que aquela pessoa é exatamente como imaginei. Se ela se aproxima, se ganhamos intimidade, eu começo a enxergar suas formas reais, muitas vezes diferentes do que eu tinha imaginado, então eu a rejeito.
- Não quero a pessoa real, de carne e osso... Quero aquilo que criei em minha mente, quero a pessoa inventada. E para manter a pessoa inventada nunca posso ter a pessoa real...
E assim se escrevem roteiros e mais roteiros de amores platônicos por pessoas inacessíveis, Romeus e Julietas, e histórias nas quais abandonamos quem mais nos ama, pois não suportamos a proximidade nua e crua que o amor nos traz.
No final não é o amor do outro que não suportamos, e sim a percepção de nossa própria incapacidade de amar. É preferível viver só, na ilusão de que um dia encontraremos o amor perfeito, do que aceitar que nosso coração é que ficou congelado e não é capaz de suportar uma relação real. Pode ser duro ouvir isso, mas não há possibilidade de se criar uma vida afetiva saudável sem que se encare esse assunto de frente e com coragem.
Outro aspecto contido nesse círculo vicioso que nos leva a rejeitarmos quem de fato nos ama é a nossa baixa autoestima. Ora, se não gostamos de verdade de nós mesmos, se não achamos que somos pessoas bacanas, se negamos nosso valor... Com certeza não iremos valorizar quem gosta de nós.
- Se ele gosta de mim que sou "uma droga" é por que deve ser "uma droga" também - é mais ou menos assim que funciona.
Se nos amássemos de verdade, se nos considerássemos brilhantes como pedras preciosas, admiraríamos aquela pessoa que nos quer ter, admiraríamos sua capacidade de enxergar nosso brilho em meio a tanta escuridão e a veríamos brilhante também. E assim, como consequência dessa consciência mais elevada, nos permitiríamos esse encontro que pode ser tão profundo e transformador. E nos permitiríamos simplesmente viver o amor, o amor real, de carne e osso, qualidades e virtudes, imperfeito, mas verdadeiro, que não é feito de duas metades que se completam e sim da linda dança de dois seres inteiros que se apoiam e ajudam a crescer mutuamente.
O encontro amoroso sem medos, de braços abertos, coração com coração, um peito colado no outro numa entrega mútua não é para todos, acreditem. Há que se ter maturidade, coragem e uma boa dose de amor próprio para que ele se torne real.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

O PEQUENO PRÍNCIPE de Antoine de Saint-Exupéry


"Tu não és para mim senão uma pessoa inteiramente igual a cem mil outras pessoas. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens necessidade de mim. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim o único no mundo. E eu serei para ti a única no mundo..."

"Olha! Vês, lá longe, os campos de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim não vale nada. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelos dourados. Então será maravilhoso quando tiveres me cativado. O trigo, que é dourado, fará com que eu me lembre de ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo...”

“ – Ela é sozinha, porém, mais importante que todas vós, pois foi ela que eu reguei. Foi ela que pus sob a redoma. Foi ela que abriguei com o para-vento. Foi por ela que matei as larvas (exceto duas ou três, por causa das borboletas). Foi ela que eu escutei se queixar ou se gabar, ou mesmo calar-se algumas vezes, já que ela é a minha rosa.”

“Mas eu não estava seguro. Lembrava-me da raposa. A gente corre risco de chorar um pouco quando se deixou cativar...”

segunda-feira, 17 de maio de 2010

TÊNIS x FRESCOBOL de Rubem Alves

Depois de muito meditar sobre o assunto concluí que os casamentos são de dois tipos: há os casamentos do tipo tênis e há os casamentos do tipo frescobol.

Os casamentos do tipo tênis são uma fonte de raiva e ressentimentos e terminam sempre mal.

Os casamentos do tipo frescobol são uma fonte de alegria e têm a chance de ter vida longa.

Explico-me. Para começar, uma afirmação de Nietzsche, com a qual concordo inteiramente. Dizia ele: ‘Ao pensar sobre a possibilidade do casamento cada um deveria se fazer a seguinte pergunta: ‘Você crê que seria capaz de conversar com prazer com esta pessoa até a sua velhice?\' Tudo o mais no casamento é transitório, mas as relações que desafiam o tempo são aquelas construídas sobre a arte de conversar.’
Xerazade sabia disso. Sabia que os casamentos baseados nos prazeres da cama são sempre decapitados pela manhã, terminam em separação, pois os prazeres do sexo se esgotam rapidamente, terminam na morte, como no filme O império dos sentidos. Por isso, quando o sexo já estava morto na cama, e o amor não mais se podia dizer através dele, ela o ressuscitava pela magia da palavra: começava uma longa conversa, conversa sem fim, que deveria durar mil e uma noites. O sultão se calava e escutava as suas palavras como se fossem música. A música dos sons ou da palavra - é a sexualidade sob a forma da eternidade: é o amor que ressuscita sempre, depois de morrer. Há os carinhos que se fazem com o corpo e há os carinhos que se fazem com as palavras. E contrariamente ao que pensam os amantes inexperientes, fazer carinho com as palavras não é ficar repetindo o tempo todo: ‘Eu te amo, eu te amo...’ Barthes advertia: ‘Passada a primeira confissão, ‘eu te amo\' não quer dizer mais nada.’ É na conversa que o nosso verdadeiro corpo se mostra, não em sua nudez anatômica, mas em sua nudez poética. Recordo a sabedoria de Adélia Prado: ‘Erótica é a alma.’

O tênis é um jogo feroz. O seu objetivo é derrotar o adversário. E a sua derrota se revela no seu erro: o outro foi incapaz de devolver a bola. Joga-se tênis para fazer o outro errar. O bom jogador é aquele que tem a exata noção do ponto fraco do seu adversário, e é justamente para aí que ele vai dirigir a sua cortada - palavra muito sugestiva, que indica o seu objetivo sádico, que é o de cortar, interromper, derrotar. O prazer do tênis se encontra, portanto, justamente no momento em que o jogo não pode mais continuar porque o adversário foi colocado fora de jogo. Termina sempre com a alegria de um e a tristeza de outro.

O frescobol se parece muito com o tênis: dois jogadores, duas raquetes e uma bola. Só que, para o jogo ser bom, é preciso que nenhum dos dois perca. Se a bola veio meio torta, a gente sabe que não foi de propósito e faz o maior esforço do mundo para devolvê-la gostosa, no lugar certo, para que o outro possa pegá-la. Não existe adversário porque não há ninguém a ser derrotado. Aqui ou os dois ganham ou ninguém ganha. E ninguém fica feliz quando o outro erra - pois o que se deseja é que ninguém erre. O erro de um, no frescobol, é como ejaculação precoce: um acidente lamentável que não deveria ter acontecido, pois o gostoso mesmo é aquele ir e vir, ir e vir, ir e vir... E o que errou pede desculpas; e o que provocou o erro se sente culpado. Mas não tem importância: começa-se de novo este delicioso jogo em que ninguém marca pontos... A bola: são as nossas fantasias, irrealidades, sonhos sob a forma de palavras. Conversar é ficar batendo sonho pra lá, sonho pra cá...

Mas há casais que jogam com os sonhos como se jogassem tênis. Ficam à espera do momento certo para a cortada. Tênis é assim: recebe-se o sonho do outro para destruí-lo, arrebentá-lo, como bolha de sabão... O que se busca é ter razão e o que se ganha é o distanciamento. Aqui, quem ganha sempre perde.

Já no frescobol é diferente: o sonho do outro é um brinquedo que deve ser preservado, pois se sabe que, se é sonho, é coisa delicada, do coração. O bom ouvinte é aquele que, ao falar, abre espaços para que as bolhas de sabão do outro voem livres. Bola vai, bola vem - cresce o amor... Ninguém ganha para que os dois ganhem. E se deseja então que o outro viva sempre, eternamente, para que o jogo nunca tenha fim...

terça-feira, 20 de abril de 2010

PARA QUE SERVE UMA RELAÇÃO? de Martha Medeiros

"Uma relação tem que servir para tornar a vida dos dois mais fácil. Vou dar continuidade a esta afirmação porque o assunto é bom e merece ser desenvolvido. Algumas pessoas mantêm relações para se sentirem integradas na sociedade, para provarem a si mesmas que são capazes de ser amadas, para evitar a solidão, por dinheiro ou por preguiça. Todos fadados à frustração.

Uma relação tem que servir para você se sentir 100% à vontade com outra pessoa, à vontade para concordar com ela e discordar dela, para ter sexo sem não-me-toques ou para cair no sono logo após o jantar, pregado.

Uma relação tem que servir para você ter com quem ir ao cinema de mãos dadas, para ter alguém que instale o som novo enquanto você prepara uma omelete, para ter alguém com quem viajar para um país distante, para ter alguém com quem ficar em silêncio sem que nenhum dos dois se incomode com isso.

Uma relação tem que servir para, as vezes, estimular você a se produzir, e,quase sempre, estimular você a ser do jeito que é, de cara lavada e bonita a seu modo.

Uma relação tem que servir para um e outro se sentirem amparados nas suas inquietações, para ensinar aconfiar, a respeitar as diferenças que há entre as pessoas, e deve servir para fazer os dois se divertirem demais, mesmo em casa, principalmente em casa.

Uma relação tem que servir para cobrir as despesas um do outro num momento de aperto, e cobrir as dores um do outro num momento de melancolia, e cobrirem o corpo um do outro quando o cobertor cair.

Uma relação tem que servir para um acompanhar o outro no médico, para um perdoar as fraquezas do outro, para um abrir a garrafa de vinho e para o outro abrir o jogo, e para os dois abrirem-se para o mundo,
cientes de que o mundo não se resume aos dois".

segunda-feira, 19 de abril de 2010

ESTAMOS OBCECADOS COM "O MELHOR" de Leila Ferreira

 Não sei quando foi que começou essa mania, mas hoje só queremos saber do "melhor".
Tem que ser o melhor computador, o melhor carro, o melhor emprego, a melhor dieta, a melhor operadora de celular, o melhor tênis, o melhor vinho.
Bom não basta.
O ideal é ter o top de linha, aquele que deixa os outros pra trás e que nos distingue, nos faz sentir importantes, porque, afinal, estamos com "o melhor". Isso até que outro "melhor" apareça - e é uma questão de dias ou de horas até isso acontecer. Novas marcas surgem a todo instante. Novas possibilidades também. E o que era melhor, de repente, nos parece superado, modesto, aquém do que podemos ter.

O que acontece, quando só queremos o melhor, é que passamos a viver inquietos, numa espécie de  insatisfação permanente, num eterno desassossego. Não desfrutamos do que temos ou conquistamos, porque estamos de olho no que falta conquistar ou ter.

Cada comercial na TV nos convence de que merecemos ter mais do que temos.
Cada artigo que lemos nos faz imaginar que os outros (ah, os outros...) estão vivendo melhor, comprando melhor, amando melhor, ganhando melhores salários. Aí a gente não relaxa, porque tem que correr atrás, de preferência com o melhor tênis.

Não que a gente deva se acomodar ou se contentar sempre com menos. Mas o menos, às vezes, é mais do que suficiente. Se não dirijo a 140, preciso realmente de um carro com tanta potência?

Se gosto do que faço no meu trabalho, tenho que subir na empresa e assumir o cargo de chefia que vai me matar de estresse, porque é o melhor cargo da empresa?

E aquela TV de não sei quantas polegadas que acabou com o espaço do meu quarto?
O restaurante onde sinto saudades da comida de casa e vou porque tem o "melhor chef"?
Aquele xampu que usei durante anos tem que ser aposentado, porque agora existe um melhor e dez vezes mais caro? O cabeleireiro do meu bairro tem mesmo que ser trocado pelo "melhor cabeleireiro"?

Tenho pensado no quanto essa busca permanente do melhor tem nos deixado ansiosos e nos impedido de desfrutar o "bom" que já temos.

A casa que é pequena, mas nos acolhe.
O emprego que não paga tão bem, mas nos enche de alegria.
A TV que está velha, mas nunca deu defeito.

O homem que tem defeitos (como nós), mas nos faz mais felizes do que os homens "perfeitos".
As férias que não vão ser na Europa, porque o dinheiro não deu, mas vai me dar a chance de estar perto de quem amo...
O rosto que já não é jovem, mas carrega as marcas das histórias que me constituem.
O corpo que já não é mais jovem, mas está vivo e sente prazer.
Será que a gente precisa mesmo de mais do que isso?
Ou será que isso já é o melhor e na busca do "melhor" a gente nem percebeu?

Leila Ferreira é uma jornalista mineira
com mestrado em Letras e doutora
em Comunicação, em Londres.
Apesar disso, optou por viver uma vidinha
mais simples, em Araxá...