quinta-feira, 19 de junho de 2008

A ARMADURA de Lisélia de Abreu Marques

... eu criei uma armadura "forte" para compensar
a criança assustada e frágil que eu ainda sou.




Criei uma armadura que eu achava que iria me proteger.
E a criatura tomou vida própria e eu passei a acreditar que
eu era a minha própria criação. Passei a acreditar que eu era a armadura que eu havia criado para me proteger.



Mas eu fui crescendo dentro da armadura e fui começando a sufocar dentro dela. E mais uma vez, pra sobreviver, fiz um movimento, desta vez,
o de ir retirando a armadura aos poucos.
Dói.
Tem partes da armadura que já grudaram
na minha pele, simbiotizou
e é difícil até saber que parte sou eu,
que parte é a armadura.
Ao mesmo tempo parece que estou mais leve,
também parece que estou sem contornos, sem forma.
Estou me desconstruindo, isto é muito bom.
A imagem que criei de quem eu deveria ser
para sobreviver à vida/morte, está se desfazendo.
Eu não sei mais o que é uma qualidade verdadeira
e saudável minha e o que é uma distorção.
As coisas não são mais tão simples de analisar.
Entrei em contato com o meu
medo mais antigo e mais devastador.

Estou mais humana, mais criancinha, mais desprotegida.
Não quero reconstruir a armadura,
quero crescer do jeito certo.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

TER OU NÃO TER NAMORADO de Ártur da Távola

Quem não tem namorado é alguém que tirou férias remuneradas de si mesmo.
Namorado é a mais difícil das conquistas. Difícil porque namorado de verdade é muito raro. Necessita de adivinhação, de pele, saliva, lágrima, nuvem, quindim, brisa ou filosofia.
Paquera, gabira, flerte, caso, transa, envolvimento, até paixão é fácil. Mas namorado mesmo é muito difícil.
Namorado não precisa ser o mais bonito, mas ser aquele a quem se quer proteger e quando se chega ao lado dele a gente treme, sua frio, e quase desmaia pedindo proteção. A proteção dele não precisa ser parruda ou bandoleira: basta um olhar de compreensão ou mesmo de aflição.
Quem não tem namorado não é quem não tem amor: é quem não sabe o gosto de namorar. Se você tem três pretendentes, dois paqueras, um envolvimento, dois amantes e um esposo; mesmo assim pode não ter nenhum namorado. Não tem namorado quem não sabe o gosto da chuva, cinema, sessão das duas, medo do pai, sanduíche da padaria ou drible no trabalho.
Não tem namorado quem transa sem carinho, quem se acaricia sem vontade de virar lagartixa e quem ama sem alegria.
Não tem namorado quem faz pactos de amor apenas com a infelicidade. Namorar é fazer pactos com a felicidade, ainda que rápida, escondida, fugidia ou impossível de curar.
Não tem namorado quem não sabe dar o valor de mãos dadas, de carinho escondido na hora que passa o filme, da flor catada no muro e entregue de repente, de poesia de Fernando Pessoa, Vinícius de Moraes ou Chico Buarque, lida bem devagar, de gargalhada quando fala junto ou descobre a meia rasgada, de ânsia enorme de viajar junto para a Escócia, ou mesmo de metrô, bonde, nuvem, cavalo, tapete mágico ou foguete interplanetário.
Não tem namorado quem não gosta de dormir, fazer sesta abraçado, fazer compra junto. Não tem namorado quem não gosta de falar do próprio amor nem de ficar horas e horas olhando o mistério do outro dentro dos olhos dele; abobalhados de alegria pela lucidez do amor.
Não tem namorado quem não redescobre a criança e a do amado e vai com ela a parques, fliperamas, beira d'água, show do Milton Nascimento, bosques enluarados, ruas de sonhos ou musical da Metro.
Não tem namorado quem não tem música secreta com ele, quem não dedica livros, quem não recorta artigos, quem não se chateia com o fato de seu bem ser paquerado. Não tem namorado quem ama sem gostar; quem gosta sem curtir quem curte sem aprofundar. Não tem namorado quem nunca sentiu o gosto de ser lembrado de repente no fim de semana, na madrugada ou meio-dia do dia de sol em plena praia cheia de rivais.
Não tem namorado quem ama sem se dedicar, quem namora sem brincar, quem vive cheio de obrigações; quem faz sexo sem esperar o outro ir junto com ele.
Não tem namorado quem confunde solidão com ficar sozinho e em paz. Não tem namorado quem não fala sozinho, não ri de si mesmo e quem tem medo de ser afetivo.
Se você não tem namorado porque não descobriu que o amor é alegre e você vive pesando 200Kg de grilos e de medos. Ponha a saia mais leve, aquela de chita, e passeie de mãos dadas com o ar. Enfeite-se com margaridas e ternuras e escove a alma com leves fricções de esperança. De alma escovada e coração estouvado, saia do quintal de si mesma e descubra o próprio jardim.
Acorde com gosto de caqui e sorria lírios para quem passe debaixo de sua janela. Ponha intenção de quermesse em seus olhos e beba licor de contos de fada. Ande como se o chão estivesse repleto de sons de flauta e do céu descesse uma névoa de borboletas, cada qual trazendo uma pérola falante a dizer frases sutis e palavras de galanteio.
Se você não tem namorado é porque não enlouqueceu aquele pouquinho necessário para fazer a vida parar e, de repente, parecer que faz sentido.

Título do livro: Amor a sim mesmo . A edição é uma coletânea das crônicas de Távola. Editora: Círculo do Livro, por cortesia da Editora Nova Fronteira S.A. Ano da edição: Como a edição foi realizada pelo Círculo do Livro, e não pela Nova Fronteira, não há o ano . A única data no livro é a do copyright - © 1.984 Paulo Alberto M. Monteiro de Barros (nome real de Artur da Távola)

terça-feira, 10 de junho de 2008

CÓDIGO DE ÉTICA dos índios norte-americanos



Versão mais antiga, de 1982:

1. Dê graças ao Criador toda manhã após acordar e toda noite antes de dormir.

2. Busque a força e a coragem para ser uma pessoa melhor.

3. Mostrar respeito é uma lei fundamental da vida.

4. Respeite a sabedoria das pessoas reunidas em um Conselho. Uma vez que você dá uma idéia, ela não mais pertence a você; pertence a todo mundo.

5. Seja verdadeiro a toda hora.

6. Sempre trate seus convidados com honra e consideração. Dê sua melhor comida e confortos para seus convidados.

7. A mágoa de um é a mágoa de todos. A honra de um é a honra de todos.

8. Receba de forma amável estranhos e pessoas de fora.

9. Todas as raças são filhas do Criador e devem ser respeitadas.

10. Servir outros, ser de valia à família, comunidade, ou nação é um dos propósitos principais para o qual as pessoas foram criadas. A felicidade verdadeira vem para aqueles que dedicam suas vidas para o serviço aos outros.

11. Observe moderação e equilíbrio em todas as coisas. Saiba das coisas que levam ao seu bem-estar e das coisas que levam a sua destruição.

12. Escute e siga a direção dada pelo seu coração. Espere esta direção de muitas formas: Em orações; Em sonhos; Em solidão; E nas palavras e ações de Anciões e amigos.

O PRONUNCIAMENTO DO CACIQUE SEATLLE EM 1854



O grande Chefe de Washington mandou dizer que deseja comprar a nossa terra, o grande chefe assegurou-nos também de sua amizade e benevolência. Isto é gentil de sua parte, pois sabemos que ele não precisa de nossa amizade.

Vamos, porém, pensar em sua oferta, pois sabemos que se não o fizermos, o homem branco virá com armas e tomará nossa terra. O grande chefe de Washington pode confiar no que o Chefe Seattle diz com a mesma certeza com que nossos irmãos brancos podem confiar na alteração das estações do ano. Minhas palavras são como as estrelas que nunca empalidecem.

Como podes comprar ou vender o céu, o calor da terra? Tal idéia nos é estranha. Se não somos donos da pureza do ar ou do resplendor da água, como então podes comprá-los? Cada torrão desta terra é sagrado para meu povo, cada folha reluzente de pinheiro, cada praia arenosa, cada véu de neblina na floresta escura, cada clareira e inseto a zumbir são sagrados nas tradições e na consciência do meu povo. A seiva que circula nas árvores carrega consigo as recordações do homem vermelho.

O homem branco esquece a sua terra natal, quando - depois de morto - vai vagar por entre as estrelas. Os nossos mortos nunca esquecem esta formosa terra, pois ela é a mãe do homem vermelho. Somos parte da terra e ela é parte de nós. As flores perfumadas são nossas irmãs; o cervo, o cavalo, a grande águia - são nossos irmãos. As cristas rochosas, os sumos da campina, o calor que emana do corpo de um mustang, e o homem - todos pertencem à mesma família.

Portanto, quando o grande chefe de Washington manda dizer que deseja comprar nossa terra, ele exige muito de nós. O grande chefe manda dizer que irá reservar para nós um lugar em que possamos viver confortavelmente. Ele será nosso pai e nós seremos seus filhos. Portanto, vamos considerar a sua oferta de comprar nossa terra. Mas não vai ser fácil, porque esta terra é para nós sagrada.

Esta água brilhante que corre nos rios e regatos não é apenas água, mas sim o sangue de nossos ancestrais. Se te vendermos a terra, terás de te lembrar que ela é sagrada e terás de ensinar a teus filhos que é sagrada e que cada reflexo espectral na água límpida dos lagos conta os eventos e as recordações da vida de meu povo. O rumorejar d'água é a voz do pai de meu pai. Os rios são nossos irmãos, eles apagam nossa sede. Os rios transportam nossas canoas e alimentam nossos filhos. Se te vendermos nossa terra, terás de te lembrar e ensinar a teus filhos que os rios são irmãos nossos e teus, e terás de dispensar aos rios a afabilidade que darias a um irmão.

Sabemos que o homem branco não compreende o nosso modo de viver. Para ele um lote de terra é igual a outro, porque ele é um forasteiro que chega na calada da noite e tira da terra tudo o que necessita. A terra não é sua irmã, mas sim sua inimiga, e depois de a conquistar, ele vai embora, deixa para trás os túmulos de seus antepassados, e nem se importa. Arrebata a terra das mãos de seus filhos e não se importa. Ficam esquecidos a sepultura de seu pai e o direito de seus filhos à herança. Ele trata sua mãe - a terra - e seu irmão - o céu - como coisas que podem ser compradas, saqueadas, vendidas como ovelha ou miçanga cintilante. Sua voracidade arruinará a terra, deixando para trás apenas um deserto.

Não sei. Nossos modos diferem dos teus. A vista de tuas cidades causa tormento aos olhos do homem vermelho. Mas talvez isto seja assim por ser o homem vermelho um selvagem que de nada entende. Não há sequer um lugar calmo nas cidades do homem branco. Não há lugar onde se possa ouvir o desabrochar da folhagem na primavera ou o tinir das asas de um inseto. Mas talvez assim seja por ser eu um selvagem que nada compreende; o barulho parece apenas insultar os ouvidos. E que vida é aquela se um homem não pode ouvir a voz solitária do curiango ou, de noite, a conversa dos sapos em volta de um brejo? Sou um homem vermelho e nada compreendo. O índio prefere o suave sussurro do vento a sobrevoar a superfície de uma lagoa e o cheiro do próprio vento, purificado por uma chuva do meio-dia, ou recendendo a pinheiro. O ar é precioso para o homem vermelho, porque todas as criaturas respiram em comum - os animais, as árvores, o homem.

O homem branco parece não perceber o ar que respira. Como um moribundo em prolongada agonia, ele é insensível ao ar fétido. Mas se te vendermos nossa terra, terás de te lembrar que o ar é precioso para nós, que o ar reparte seu espírito com toda a vida que ele sustenta. O vento que deu ao nosso bisavô o seu primeiro sopro de vida, também recebe o seu último suspiro. E se te vendermos nossa terra, deverás mantê-la reservada, feita santuário, como um lugar em que o próprio homem branco possa ir saborear o vento, adoçado com a fragrância das flores campestres.

Assim pois, vamos considerar sua oferta para comprar nossa terra. Se decidirmos aceitar, farei uma condição: o homem branco deve tratar os animais desta terra como se fossem seus irmãos. Sou um selvagem e desconheço que possa ser de outro jeito. Tenho visto milhares de bisões apodrecendo na pradaria, abandonados pelo homem branco que os abatia a tiros disparados do trem em movimento. Sou um selvagem e não compreendo como um fumegante cavalo de ferro possa ser mais importante do que o bisão que (nós - os índios) matamos apenas para o sustento de nossa vida. O que é o homem sem os animais? Se todos os animais acabassem, o homem morreria de uma grande solidão de espírito. Porque tudo quanto acontece aos animais, logo acontece ao homem. Tudo está relacionado entre si.

Deves ensinar a teus filhos que o chão debaixo de seus pés são as cinzas de nossos antepassados; para que tenham respeito ao país, conta a teus filhos que a riqueza da terra são as vidas da parentela nossa. Ensina a teus filhos o que temos ensinado aos nossos: que a terra é nossa mãe. Tudo quanto fere a terra - fere os filhos da terra. Se os homens cospem no chão, cospem sobre eles próprios. De uma coisa sabemos. A terra não pertence ao homem: é o homem que pertence à terra, disso temos certeza. Todas as coisas estão interligadas, como o sangue que une uma família. Tudo está relacionado entre si. Tudo quanto agride a terra, agride os filhos da terra. Não foi o homem quem teceu a trama da vida: ele é meramente um fio da mesma. Tudo o que ele fizer à trama, a si próprio fará.

Os nossos filhos viram seus pais humilhados na derrota. Os nossos guerreiros sucumbem sob o peso da vergonha. E depois da derrota passam o tempo em ócio, envenenando seu corpo com alimentos adocicados e bebidas ardentes. Não tem grande importância onde passaremos os nossos últimos dias - eles não são muitos. Mais algumas horas, mesmos uns invernos, e nenhum dos filhos das grandes tribos que viveram nesta terra ou que têm vagueado em pequenos bandos pelos bosques, sobrará, para chorar sobre os túmulos de um povo que um dia foi tão poderoso e cheio de confiança como o nosso.

Nem o homem branco, cujo Deus com ele passeia e conversa como amigo para amigo, pode ser isento do destino comum. Poderíamos ser irmãos, apesar de tudo. Vamos ver, de uma coisa sabemos que o homem branco venha, talvez, um dia descobrir: nosso Deus é o mesmo Deus. Talvez julgues, agora, que o podes possuir do mesmo jeito como desejas possuir nossa terra; mas não podes. Ele é Deus da humanidade inteira e é igual sua piedade para com o homem vermelho e o homem branco. Esta terra é querida por ele, e causar dano à terra é cumular de desprezo o seu criador. Os brancos também vão acabar; talvez mais cedo do que todas as outras raças. Continuas poluindo a tua cama e hás de morrer uma noite, sufocado em teus próprios desejos. Porém, ao perecerem, vocês brilharão com fulgor, abrasados, pela força de Deus que os trouxe a este país e, por algum desígnio especial, lhes deu o domínio sobre esta terra e sobre o homem vermelho. Esse destino é para nós um mistério, pois não podemos imaginar como será, quando todos os bisões forem massacrados, os cavalos bravios domados, as brenhas das florestas carregadas de odor de muita gente e a vista das velhas colinas empanada por fios que falam. Onde ficará o emaranhado da mata? Terá acabado. Onde estará a águia? Irá acabar. Restará dar adeus à andorinha e à caça; será o fim da vida e o começo da luta para sobreviver.

Compreenderíamos, talvez, se conhecêssemos com que sonha o homem branco, se soubéssemos quais as esperanças que transmite a seus filhos nas longas noites de inverno, quais as visões do futuro que oferece às suas mentes para que possam formar desejos para o dia de amanhã. Somos, porém, selvagens. Os sonhos do homem branco são para nós ocultos, e por serem ocultos, temos de escolher nosso próprio caminho. Se consentirmos, será para garantir as reservas que nos prometestes. Lá, talvez, possamos viver o nossos últimos dias conforme desejamos. Depois que o último homem vermelho tiver partido e a sua lembrança não passar da sombra de uma nuvem a pairar acima das pradarias, a alma do meu povo continuará vivendo nestas floresta e praias, porque nós a amamos como ama um recém-nascido o bater do coração de sua mãe.
Se te vendermos a nossa terra, ama-a como nós a amávamos. Preteje-a como nós a protegíamos. Nunca esqueças de como era esta terra quando dela tomaste posse: E com toda a tua força o teu poder e todo o teu coração - conserva-a para teus filhos e ama-a como Deus nos ama a todos. De uma coisa sabemos: o nosso Deus é o mesmo Deus, esta terra é por ele amada. Nem mesmo o homem branco pode evitar o nosso destino comum.
Fonte: "Trechos de um diário: O Cacique Seattle: Um cavalheiro por instinto". 10º artigo da série “Primeiras Reminiscências” - Seattle Sunday Star, 29 de outubro de 1887 do articulista Henry Smith (tradução livre, pela equipe de Floresta Brasil) http://www.ufpa.br/permacultura/carta_cacique.htm

VIVA A MORTE de Paulo Angelim

“A maioria das pessoas teme a morte por não ter feito algo de suas vidas.” Peter Ustinov

EU SEI QUE O TÍTULO deste capítulo pode parecer estranho, sombrio e nada motivador — principalmente se considerarmos que meus textos, via de regra, têm o propósito de elevar o estado de espírito das pessoas. Mas não tema, pois o propósito é exatamente este: quero mostrar que todos os nossos tabus sobre este tema, a morte, são um grande equívoco, e que, na verdade, deveríamos mudar nossas perspectivas a respeito do assunto. A lógica é bastante simples, objetiva e acessível: aqueles que desejam evoluir em todos os aspectos da vida precisam aceitar a idéia de lidar com a morte, por mais imprevisível e inexorável que seja.Primeiramente, repare que a primeira idéia que provavelmente veio à sua mente diante da palavra “morte” foi seu significado básico, qual seja, a ausência de vida. É bem possível que você tenha pensado em hospital, caixão, velório, enterro, família em prantos etc. Nossas mentes já estão de tal forma condicionadas a pensar negativamente diante da morte que imediatamente remetem ao momento no qual definitivamente deixaremos este mundo.Porém, não é a este tipo de morte que me refiro neste livro — até porque há outros tipos de morte. É verdade. E vou mais além: digo a você que precisamos morrer todo dia! É isto mesmo. A morte é uma passagem, uma transformação. Não existe planta sem a morte da semente. Não existe embrião sem a morte do óvulo e do esperma. Não existe borboleta sem a morte da lagarta.A morte é o ponto de partida para o início de algo novo, de um novo estágio. É a fronteira entre passado e futuro. Se você começar a pensar dentro desta perspectiva, verá que a palavra “morte” já não causará tanto desconforto, e poderá buscá-la mais facilmente. Você leu corretamente: defendo que nossa relação com a morte deve ser tão harmônica a ponto de buscarmos morrer em alguns aspectos de nosso ser para que possamos alcançar estágios mais evoluídos de desenvolvimento. Vejamos alguns exemplos.- Quer ser um bom universitário? Mate dentro de você o secundarista aéreo que pensa que ainda existe muito tempo pela frente, e que planejar o futuro é perda de tempo.- Quer ser um excepcional profissional? Mate dentro de você o universitário descomprometido e avesso às responsabilidades, que acha que a vida se resume a estudar só para fazer provas e entregar trabalhos.- Quer ser um excelente marido ou uma ótima esposa? Mate dentro de você o solteiro que pensa poder fazer planos sozinho, sem ter de dividir espaço, projetos e tempo com mais ninguém.- Quer ser um líder bem-sucedido? Mate dentro de você o subordinado egoísta que pensava na liderança como o momento em que o mundo passa a girar a seu redor. Enfim, todo processo de evolução exige que matemos o nosso eu passado, inferior. Se não agimos assim, corremos o risco de tentar ser duas pessoas ao mesmo tempo, perdendo o foco, comprometendo a produtividade e, por fim, prejudicando o sucesso. Muitas pessoas não evoluem porque ficam se agarrando ao que eram, ao invés de se projetar para o que serão ou desejam ser. Elas querem o novo posto, o novo degrau, sem abrir mão da forma como pensavam ou como agiam. Com isso, transformam-se em projetos inacabados, híbridos, adultos infantilizados.
Paulo deixou-nos uma bela lição em I Coríntios 13:11: “Quando eu era criança, falava, pensava e raciocinava como criança. Mas quando me tornei homem, meus pensamentos se desenvolveram muito além dos pensamentos da minha infância, e agora eu deixei as coisas de criança”. Ou seja, é possível que, vez por outra, nossas ações sejam infantis — no melhor sentido da palavra —, de tal forma que não matemos virtudes próprias dos tempos de criança, como a vontade de brincar, o sorriso fácil, a vitalidade, a criatividade e assim por diante. Mas se quisermos ser adultos, devemos necessariamente matar a criancice — neste caso, no sentido negativo.Quer ser alguém (um profissional, uma mãe, um cidadão, uma estudante, um amigo) melhor e mais evoluído? Então pense nas coisas em você que precisam morrer ainda hoje para que nasça aquilo que você tanto deseja ser. Pense nas palavras de João 12:24: “Eu devo morrer como um grão de trigo que cai dentro da terra. Se eu não morrer, ficarei sozinho — uma semente isolada. Porém a minha morte produzirá muitos novos grãos de trigo — uma abundante safra de novas vidas”.
Pense nisto... e morra! Mas não esqueça de nascer melhor ainda!
Extraído do livro Morra e Mude de Paulo Angelim: http://www.pauloangelim.com.br/livro3.html